quarta-feira, 7 de julho de 2010

Eu queria ser como o Zeca, Lucas De Nardi


Eu queria ser como o Zeca, e logo lhe explicarei o por quê.

Não sei se há algo cientificamente comprovado para o fato que será relatado, mas isso tampouco importa: toda vez que entramos numa sala decorada por um vaso de flores de jasmim, rapidamente ele preenche nosso olfato e nossos olhos e todo o aposento é perfumado por uma fragrância que causa prazer e alegria. Porém, se por dois ou mais dias aquelas flores permanecem ali, e mesmo que seu perfume continue pairando no ar, nossa visão terá se acostumado com tão bela imagem e o olfato já terá assimilado o estimado bálsamo a ponto de não mais senti-lo como da primeira vez.

O hábito nos leva a desvalorizar as coisas ao nosso redor, ou pior, a torná-las comuns. Vejo muita gente por aí vivendo o dia-a-dia como se isto fosse algo comum. A vida é o que de mais raro temos e, o que é mais interessante ainda, está disponível o tempo todo. Mesmo assim, às vezes, corremos para o lado oposto, distraindo-nos com bobagens, acostumando-nos com o milagre de viver.

O Zeca? Não! Ele é um grande sábio, pois toda vez que sua dona sai de casa, por poucos minutos, alegra-se ao revê-la entrando pela porta, como se estivesse vendo-a pela primeira vez no dia. Ele nunca se cansa de estar feliz com o que valorizou um dia. O Zeca sempre pula e festeja demonstrando seu afeto, por menor que tenha sido o espaço de tempo, por maior que tenha sido a convivência. Ele não se acostuma, ele não torna a vida trivial.

Todos os dias o Zeca passeia pelos mesmos jardins e jamais o vi reclamando para mudar o caminho, por mais burro que isso possa parecer. Ele nunca deixa que seus passos sejam os mesmos, pois sempre se alegra ao ver aquela grama verdinha à sua frente. Talvez por saber que a paisagem nunca se repete, nem mesmo a de horas atrás, ele a valoriza como se fosse única (e realmente é).

O Zeca também não se conforma com o que acha absurdo. Conto-lhe o que se passa: algumas vezes, enquanto o pequeno cachorro alimenta-se, finjo que minha mão irá retirar um pouco de sua comida (e faço isso há uns 5 anos), mas toda vez que intento, ele rosna, vocifera, fica indignado e, se precisar, ataca-me. Ele reclama pelo que é seu, por mais insistente que eu seja. Ainda que eu nunca tenha retirado a comida dele nesse tempo todo, ele fará o que for necessário para que eu não me aproxime.
Assim deveríamos ser com o que é de nosso apreço, jamais acreditando ser comum que nos roubem. E até se houvesse somente ameaças, ainda assim deveríamos ser enérgicos ao mostrar nossas intenções. Nunca vi o Zeca esperando sua dona tomar alguma providência sobre o furto da sua comida: ele vai à luta, por menor que seja seu porte, por maior que seja o inimigo. Ele não mede esforços para proteger o que é seu.

Zeca tem muita personalidade no que faz. Esse cãozinho, após uma década de vida, ainda se diverte com seus grãos de ração e seus brinquedos. Desde seus primeiros meses de vida, aprendeu a se divertir dessa forma e nunca, enquanto cresceu, julgou ou envergonhou-se de manter em sua vida pequenos resquícios da infância. Diverte-se da mesma maneira há anos e, em nenhum momento, um julgamento externo ou olhar atravessado o intimidou a viver do jeito que escolheu.

Acredito que ter humildade ao ver como as coisas que nos cercam e, muitas vezes, julgamos inferiores, podem nos ensinar a viver melhor e aproveitar mais a magia que é abrir os olhos e vislumbrar o mundo que temos à nossa frente. Pois nada é mais valioso do que estar ciente de que vivemos e então aproveitar isso plenamente.

Afinal, qual a dificuldade em olhar todos os dias para a pessoa que você ama e amá-la? Por que nos acostumamos com a beleza que nos cerca a ponto de não mais percebê-la? Qual a vergonha que existe em lutar por aquilo que lhe é de direito? Ou por suas vontades mais intrínsecas? Não é natural que guardemos em nós resquícios imaculados da infância, sem julgamentos ou análises? E por que foram ceifados de nosso cotidiano?

Por todas essas coisas que ele me ensina e pelo seu olhar que fala mais que muita gente, eu queria ser como o Zeca.

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