sábado, 31 de julho de 2010

Eu sei que vou te amar, Tom Jobim e Vinícius de Moraes

Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
A cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente
Eu sei que eu vou te amar

E cada verso meu será pra te dizer
Que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida

Eu sei que vou chorar
A cada ausência sua eu vou chorar
Mas cada volta sua há de apagar
O que essa ausência sua me causou

Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida

Morri de amor

Dou um suspiro, fecho os olhos e, por um segundo, morri de amor.

Só quem ama

Só quem ama sabe das loucuras que é capaz de fazer para continuar amando...

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Nossas músicas

Caetano sempre foi nosso amante nada silencioso. Já falou tanta coisa pra nós, já cantou tanto da gente. Quando ele está presente o nosso amor ressurge e dança e para e deita e descansa. Sinceramente, acho que ele precisa sair da sua casa, largar sua estante e passar uns meses na minha sala, no meu quarto. Me habitar também. Vai que ele esquece que é meu também??

Nosso Estranho Amor, Caetano Veloso

Teu corpo combina com meu jeito
Nós dois fomos feitos muito pra nós dois
Não valem dramáticos efeitos
Mas o que está depois

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Portinari no MARGS

No sábado, fui com a Ana Flores sonhar com Cândido Portinari. Ele está dormindo no MARGS, mas não sei até quando ele fica...

Entramos falando sobre a vida e saímos vivendo. Nada como uma obra de arte para nos arrancar de uma realidade para outra, sempre mais favorável do que aquela que achamos viver.

A mostra traz ilustrações feitas para uma edição não publicada do Cervantes, com as figuras memoráveis de Dom Quixote e seu fiel escudeiro, Sancho Pança. Na época, por recomendação médica, ele já não podia pintar com tinta. Mas o artista, quando é artista, precisa se expressar de qualquer jeito, nem que seja com o seu próprio sangue. Não foi exatamente essa solução que ele encontrou! Os desenhos foram feitos com lápis de cor. E são incríveis...

Na exposição tem um quadro relativamente grande pintado com têmpera. Tão lindo que a gente senta num banco como se estivesse olhando para o sol se pondo no horizonte. Com a boca meio aberta e os olhos semi cerrados. Emocionante.



Se tu viesses ver-me..., Florbela Espanca

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas de um beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meu braços se estendem para ti...

Sempre bela Florbela. Sempre nossa a poesia, mesma sendo dela.

Desdém, Florbela Espanca

Andas dum lado pro outro
Pela rua passeando;
Finges que não queres ver
Mas sempre me vais olhando.

É um olhar fugidio,
Olhar que dura um instante,
Mas deixa um rasto d'estrelas
O doce olhar saltitante...

É esse rasto bendito
Que atroiçoa o teu olhar,
Pois é tão leve e fugaz
Que eu nem o sinto passar!

Quem tem uns olhos assim
E quer fingir o desdém,
Não pode nem um instante
Olhar os olhos d'alguém...

Por isso vai caminhando...
E se queres a muita gente
Demonstrar que me desprezas
Olha os meus olhos de frente!...

Escrito em 18/7/1816 e tão moderno.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Imagine

colher um amontoado de letras

que estivessem soltas no espaço

como pássaros 

 
E assim, num momento esse
agarrá-las de supetão

 
Ou não...

 
Tê-las suavemente

como se concedessem
a tomada de suas formas

 
e dessa forma
enchê-las de nós mesmos

 
Ou não...

Anne-Julie

Adolie Day Illustrations

terça-feira, 27 de julho de 2010

Uma nova paixão


Agora mesmo me apaixonei mais uma vez pelo Zeca.

Samba e leveza, Lenine

Foi na leveza
Só sentimento
E me entregou suas palavras
Como quem dava um pedaço
Delicadeza foi
Disse ao meu coração
E ela me deu a intenção
Do samba que eu não fiz

Ô, sambá
É o que eu quero sentir
Ô, sambá
Quando eu te ver sorrir
Ô, sambá
Coisa melhor que eu fiz
Mundo caiu no samba
Na hora que eu te vi

Você me batucou
Skindô meu coração
Quando eu te vi
Sambar assim
Aqui neste lugar
Onde este mesmo sol
Costuma aparecer
E a lua vem ouvir
O som estéreo do mar

Ô, sambá
Venha me dar seu amor
Ô, sambá
Que eu sambo aonde for
Ô, sambá
É o tempo certo de ser
E eu sambaria o mundo
Só pra encontrar você

pensando aqui comigo...eu sambaria em mim só pra encontrar você.

Dois gramáticos

vou te amar em letras
meu verbo irá tocar
teu olhinhos infantis

seremos dois gramáticos

Contemporaneidades, Chacal

a uma interrogação indaguei:
- qual é?
- sei não.
- vive só?
- crio dúvidas.
- tranquila?
- instável, uma gangorra, um tobogã.
- por onde vou?
- não sei.
- posso passar?
- responda: quem me entortou?
- o vento da procura.
- onde posso achá-lo?
- venha comigo. ele sopra às minhas costas.
vou segui-lo até o fim
- ô menino. não treme? o caminho desse
vento se perde na história do homem. tua
vida é rasa.
- corta meus pés e não ando. reprime minha
curiosidade e me mata. fim de papo. querendo se encontrar
me segue. senão té mais.
- vamos menino, quero ser sua companheira.
- sem ilusão, um dia eu mato você, iluminado.

homem santo, Charles Bukowski

neste bairro
umas 4 quadras ao norte
e 2 ao sul
tem uma pequena casa
pintura descascando
e
mato crescendo
no jardim
da frente

e
ao redor desta
casa
tem
outras casas
com
gramados verdes
impecáveis
canteiros enfeitados
de flores
e
carros polidos
ocupando
a entrada da garagem.

"eu gosto desse
cara", digo pra minha mulher.
"gostaria mesmo de
 vê-lo, sabe, ver
como é que ele se
parece".

"eu já o vi",
diz minha mulher.

"ah é? sim? como?
quando?"

"duas vezes. e nas duas
foi a mesma coisa. ele
estava sentado na
sua janela e
estava com seu chapéu
baixado
sobre os olhos."

"lindo", digo.
"lindo".

quando saio dirigindo
continuo passando por lá
esperando
vê-lo
por mim mesmo
mas
nunca o vejo.
de qualquer modo,
para mim
ele é a salvação
deste bairro.

é quando as pessoas
são
todas iguais
que
tudo ganha nome e perde o sentido

e aqui está
este santo
sem um nome.

Quando você chega

Quando você chega
no meio da noite
pra me acordar

é como se a lua
se enchesse toda
pra te ver passar

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Se o amor chegasse

Se o amor chegasse eu não resistiria, nem desistiria...

Há tanta coisa bonita a ser consertada


João Gilberto é conhecido como um dos criadores da Bossa Nova, tendo gravado com a cantora Elizeth Cardoso a música Canção do Amor Demais e, logo depois, um compacto contendo as canções Chega de Saudade e Bim Bom, essa última uma de suas raras composições.

Mas o que poucas pessoas sabem com relação ao seu trabalho é a maneira pela qual ele contribui com a música brasileira, ou melhor, com os compositores: recriando canções que não são de sua autoria. Imagino que seja um privilégio para um músico ter uma de suas composições modificadas pelas mãos de João Gilberto...

A música Chega de Saudade foi composta por Jobim para ser um chorinho. João Gilberto a transformou num samba e o violão passou de acompanhante para dividir os holofotes com a voz, em primeiro plano. A letra é interpretada como um conversa, de modo íntimo, quase como uma fala.

No entanto, o que chama mais a minha atenção são suas transformações com relação às letras. Ele subtrai versos, modifica palavras, acrescenta, une versos, faz silêncio onde antes não havia. Ele aperfeiçoa, da sua maneira, as canções de Jobim, Chico Buarque, Caetano, entre outros. Coisas de Mestre, ou melhor, de Maestro.

Em Sampa, do Caetano Veloso, ele repete, logo no início a palavra alguma no verso "alguma, alguma coisa acontece no meu coração" e muda "a força da grana que ergue e destrói coisas belas" para "a força da grana que faz e destrói coisas belas". 

Em Eu e a brisa, do Johnny Alf, ele modifica uma palavra na segunda vez que canta a música. No original só existe essa versão "se o amor chegasse eu não resistiria"e para João Gilberto também existe "se o amor chegasse eu não desistiria". 

Em A Falsa Baiana, de Geraldo Pereira, João une versos e elimina uma palavra. Logo em seguida ainda troca o verbo no gerúndio pelo verbo no presente do indicativo. Compare o original com a versão cantada pelo João:

Original
"ninguém grita oba
salve a Bahia
Senhor do Bom Fim"

"de cima embaixo
virando os olhinhos
dizendo eu sou filha
de São Salvador"

Por João Gilberto

"ninguém grita oba
salve a Bahia Senhor"

"de cima embaixo
e vira os olhinhos
e diz eu sou filha
de São Salvador"

O mais engraçado é que as versões do João Gilberto são aquelas que ficam marcadas na minha memória musical. Para mim, parecem mesmo serem as melhores, as originais.  Perguntado sobre essa sua característica de recriar as canções ele responde: "Há tanta coisa bonita a ser consertada!" Bem, eu só posso concordar com ele e me derreter com suas novas versões.
 

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Aristóteles é o meu Freud


Na literatura, para se compreender é preciso separar. Na vida, também. Aristóteles é o meu Freud.

Para compreendermos um texto literário em toda sua riqueza, será preciso separar seus componentes. Separamos a trama da fábula, os personagens, a linguagem, o narrador, os conflitos. Assim, com as peças do jogo bem definidas, conseguimos analisar a qualidade literária e até descobrir porque gostamos do texto...ou não.

Na vida, me parece que acontece o mesmo. Precisamos nos distanciar das coisas, separar, colocar cada objeto no seu devido lugar. De longe, vemos melhor os componentes que compõem uma paisagem. Até pra descobrir se gostamos...da visão geral que temos da nossa vida.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Tu me acostumbraste, Caetano Veloso

Tu me acostumbraste, a todas esas cosas
Y tu me enseñaste, que son maravillosas

Sutil llegaste a mi como una tentación
Llenando de inquietud mi corazón

Yo no yo no concebia como se quería
En tu mundo raro y por ti aprendí
Por eso me pregunto al ver que me olvidaste
Por que no me enseñaste cómo se vive sin ti

zzz

sem sono de mim

Entre nós, reescrito

Há tanto o que combinar:

a música na poesia do dia
a palavra no verso da vida

e o desejo
em todo momento
de existir inteiro 


Há beijos
que soltos se enlaçam
uns nos outros...

Há pernas
que tolas se amarram
umas nas outras...


Há tanto o que combinar:
as ondas na orla do dia
a palavra na prosa da vida

e o desejo 

em todo momento 

de existir inteiro

Há olhos
que lassos se entregam
uns nos outros...

Há mãos
que vazias se enchem
umas das outras...

Há tanto o que combinar:

a sede na fome do dia
a palavra no descanso da vida

e o desejo 

em todo momento 

de existir inteiro

Há pensamentos
que ditos se unem
uns aos outros...

Há roupas
que rotas se tocam
umas às outras...

Há tanto o que combinar:
os caminhos no fim do dia
a palavra no cheiro da vida

e o desejo 

em todo momento 

de existir inteiro

terça-feira, 20 de julho de 2010

E se?

Albert Einsten

Pode ser que um dia deixemos de nos falar...
Mas, enquanto houver amizade,
Faremos as pazes de novo.

Pode ser que um dia o tempo passe...
Mas, se a amizade permanecer,
Um de outro se há-de lembrar.

Pode ser que um dia nos afastemos...
Mas, se formos amigos de verdade,
A amizade nos reaproximará.

Pode ser que um dia não mais existamos...
Mas, se ainda sobrar amizade,
Nasceremos de novo, um para o outro.

Pode ser que um dia tudo acabe...
Mas, com a amizade construiremos tudo novamente,
Cada vez de forma diferente.
Sendo único e inesquecível cada momento
Que juntos viveremos e nos lembraremos para sempre.

Há duas formas para viver a sua vida:
Uma é acreditar que não existe milagre.
A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre.

Texto extraído do Blog do Thi que tem muitos textos legais...http://thiagobferreira.blogspot.com

Topo tudo por amor

Alguns topam tudo por dinheiro...eu topo tudo por amor.

Retrato em branco e preto, Chico Buarque

Já conheço os passos dessa estrada
Sei que não vai dar em nada
Seus segredos sei de cor
Já conheço as pedras do caminho,
E sei também que ali sozinho,
Eu vou ficar tanto pior
E o que é que eu posso contra o encanto,
Desse amor que eu nego tanto
Evito tanto e que, no entanto,
Volta sempre a enfeitiçar
Com seus mesmos tristes, velhos fatos,
Que num álbum de retratos
Eu teimo em colecionar

Lá vou eu de novo como um tolo,
Procurar o desconsolo,
Que cansei de conhecer
Novos dias tristes, noites claras,
Versos, cartas, minha cara
Ainda volto a lhe escrever
Pra lhe dizer que isso é pecado,
Eu trago o peito tão marcado
De lembranças do passado e você sabe a razão
Vou colecionar mais um soneto,
Outro retrato em branco e preto
A maltratar meu coração

segunda-feira, 19 de julho de 2010

O rio quer desaguar no mar

 é como se o rio quisesse desaguar no mar e não pudesse.

Numa casa distante

numa casa distante
da cidade mais perto
eles se amaram
dias sem parar

era um amor
sem fome
nem hora
pra acabar

aquele amor
sem nome
nem data
pra minguar

é um amor
sem fim
nem perto
de cessar

Pra você guardei o amor, Nando Reis

Pra você guardei o amor
Que nunca soube dar
O amor que tive e vi sem me deixar
Sentir sem conseguir provar
Sem entregar
E repartir

Pra você guardei o amor
Que sempre quis mostrar
O amor que vive em mim vem visitar
Sorrir, vem colorir solar
Vem esquentar
E permitir

Quem acolher o que ele tem e traz
Quem entender o que ele diz
No giz do gesto o jeito pronto
Do piscar dos cílios
Que o convite do silêncio
Exibe em cada olhar

Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar

Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar

Pra você guardei o amor
Que aprendi vendo meus pais
O amor que tive e recebi
E hoje posso dar livre e feliz
Céu cheiro e ar na cor que arco-íris
Risca ao levitar

Vou nascer de novo
Lápis, edifício, tevere, ponte
Desenhar no seu quadril
Meus lábios beijam signos feito sinos
Trilho a infância, terço o berço
Do seu lar

Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar

Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar

Pra você guardei o amor
Que nunca soube dar
O amor que tive e vi sem me deixar
Sentir sem conseguir provar
Sem entregar
E repartir

Quem acolher o que ele tem e traz
Quem entender o que ele diz
No giz do gesto o jeito pronto
Do piscar dos cílios
Que o convite do silêncio
Exibe em cada olhar

Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar

Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar

O que poderia ter sido e não foi


a minha tristeza, quando aparece,  é por não viver tudo o que poderia ter sido e não foi.

domingo, 18 de julho de 2010

Caetano Veloso

mar sobre o céu. cidade na luz. mundo meu canção que compus. mudo tudo agora é você. a minha voz que era da amplidão. o universo da multidão. hoje canta só por você. minha mulher, meu amor, meu lugar. antes de você chegar era tudo saudade. meu canto mudo no ar faz do seu nome hoje o céu da cidade. lua no mar, estrelas no chão. aos seus pés entre as suas mãos. tudo quer alcançar você. levanta o sol do meu coração. já não vivo nem morro em vão. sou mais eu porque sou você. minha mulher, meu amor, meu lugar. antes de você chegar era tudo saudade. meu canto mudo no ar faz do seu nome hoje o céu da cidade. caetano veloso.

Pedaços

 quando eu era pequena, o céu era mais importante. e as conversas dos adultos não me interessavam. hoje olho pouco para o céu e falo das mesmas coisas que meus pais falavam. sempre levamos conosco pedaços de gente grande. e sempre descobrimos uns recantos de criança.

Entre nós

há tanto o que combinar
a música a poesia e o dia
a palavra ouvida
sussurrada e sentida

o medo da vida e o desejo
em todo o momento
de existir inteiro

há o beijo que gira em braços
há pernas que tolas
amarram-se
umas nas outras

o desejo do desejo
a palavra falada
dita proferida

as viagens
os caminhos e o retorno
a roupa o cheiro e a noite

o medo da morte e o desejo
em todo o momento
de existir inteiro

há tanto o que combinar
a sede a fome e o descanso
o que se espera pensa e fala

da vida

A beleza


A beleza está naquilo que somos.

Sete mil vezes

Sete mil vezes eu voltaria a te amar assim e a dormir e a acordar do seu lado. 
(variação sobre a música do Caetano Veloso)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

“Wright” or wrong?, DeRose

Consta que Santos Dumont fora internado num hospício porque seus compatriotas brasileiros o consideravam louco. Imagine, falar sobre seus devaneios de querer voar! Imagine, querer carregar no pulso um relógio. Afinal, todos sabem que o lugar de relógio é no bolso do colete. Mas ele inventou o relógio de pulso que toda a Humanidade usa até hoje… no pulso! Segundo fontes extra-oficiais, seus amigos tiveram que sequestrá-lo do manicômio em que era tratado como demente, e levá-lo a Paris, onde realizou suas pesquisas e… conseguiu voar.

Existe toda uma barreira cultural praticamente intransponível às idéias que surgem fora das fronteiras dos países que fazem parte do clube. Eles não reconhecem o fato histórico de que o primeiro a conseguir o vôo de um aeroplano mais pesado que o ar foi o brasileiro Alberto Santos Dumont e insistem na balela de que foram os irmãos Wright.

Somente os brasileiros e os franceses reconhecem que o primeiro a conseguir o vôo de um aeroplano mais pesado que o ar foi o brasileiro Santos Dumont, embora os estado-unidenses, para ficar com os louros históricos, insistam na lenda de que foram os irmãos Wright. Filmes da época provam que o aparelho deles não venceu a força da gravidade, não decolou, mas foi catapultado por um mecanismo de disparo e depois planou com o auxílio de um motor. Na verdade, planou como uma pedra, pois teria “voado” quarenta e poucos metros, menos que o comprimento da classe econômica de um Boeing 747!

Mesmo assim, seu “vôo histórico” ter-se-ia realizado sem testemunhas, sem a imprensa, sem a presença de autoridades, ao contrário de Santos Dumont que realizou seu grande feito com testemunhas, jornalistas e autoridades. Depois que ele voou com o mais pesado que o ar, os irmãos Wright afirmaram que já haviam feito isso antes, na sua fazenda, sem testemunhas. Nunca, no mundo científico, aceitou-se tamanho absurdo.

Em 2004, para comemorar os 100 anos da data que os irmãos Wright declararam ter voado, cientistas nos Estados Unidos reconstruíram o aeroplano Wright com tecnologia do século XXI, baseados no projeto original. E… suprema humilhação! Nem com a tecnologia do Terceiro Milênio a geringonça conseguiu voar! Pior: o fiasco foi documentado e levado ao ar em todo o mundo pela Discovery Channel e reprisado várias vezes.

De mentiras históricas a História oficial está cheia. Outro fato semelhante foi o da invenção da máquina de escrever, cuja idéia genial está sendo usada até hoje no teclado dos computadores. Quem a inventou foi o padre paraibano Francisco João de Azevedo Júnior. Em 1861 a máquina já estava na Exposição Agrícola e Industrial de Pernambuco. No entanto, em 1867 Christopher Latham Sholes passou à História como seu inventor.

Texto extraído do blog do DeRose. Acesse: www.uni-yoga.org/blogdoderose

Pessoas que passam, DeRose

Há pessoas, tantas pessoas
que, ao longo da nossa vida, passam,
como passam as paisagens
pela janela de um trem.
Nada mais são, nada mais querem ser,
senão paisagem.
Bonita, às vezes; passageira sempre…
Mas há outras pessoas
que viajam conosco no mesmo comboio,
que permanecem ao nosso lado por toda a jornada,
compartilhando tudo:
as alegrias e também os momentos difíceis.
A essas oferto minha amizade,
meu coração
e minha alma.

Maria Bethânia cantando por aí

A tristeza é uma forma de egoísmo... eu vou te dar alegria!

Emile Ajar, pseudônimo de Romain Gary

é.. o sabor da vida é apenas para os loucos...
ficaste louca pos causa daquele que amas?
não é necessário ter uma razão para se ter medo.

Emile Ajar

Não significa que estarmos infelizes separados seremos felizes juntos.

Faltam

falta tempo 
no tempo 
que já ia

falta tempo
no dia 
pra adiar 

minha vida

Não tenho voz

não tenho voz
tenho miséria

um pouco de mim 
em cada canto do dia

um papel velho amassado 
e comido pelo tempo

Companhia

tem dias em que tudo está diferente
é como se o mundo olhasse em nossos olhos 
                                          e não nos visse


é quando a gente sente 
que ser sozinho não é estado
é ser humano


solidão me acompanha
às vezes nem vejo
reconheço




Restos

tenho nó de ser desvairada
tenho dó dos que não sabem amar
resto de dor


metade indo embora
outra parte guardada


as revistas não dizem
reclamam


o som é silêncio
buzina


a cidade caiu 
bêbada


sou nada
pra tanta voz que ecoa

Sempre horizontes


Vejo horizontes

sem paredes nos olhos

nem teto sobre os cabelos

passa vento



atrás
sem portas

dos lados


nem janelas

ao fundo
sempre horizonte
s

Cobra Coral, Caetano Veloso sobre poema de Waly Salomão

Pára de ondular, agora, cobra coral:
 

a fim de que eu copie as cores com que te adornas,
a fim de que eu faça um colar para dar à minha amada,

a fim de que tua beleza
teu langor

tua elegância

reinem sobre as cobras não corais

Lygia Fagundes Telles

O ser humano é indefinível, inacessível e incontrolável.

Lygia Fagundes Telles

você quer desembrulhá-lhas e elas desembrulham você

terça-feira, 13 de julho de 2010

Dois verbos

vasculho as minhas emoções 
procurando em vão compreender 
o que fez de mim esse instante
mas as minhas emoções não tem fala sentem
e esses dois verbos se cruzam não se entendem

Carimbador maluco, Turma do Balão Mágico e Raul Seixas


plunct, plact, zuuum, não vai a lugar nenhum

Numa manhã de sol


numa manhã de sol 
pensar pensamentos 
de solar a vida

Receita


na panela sal grosso. no chão confetes. nas paredes você.

Tolice

Tolice grande é quando o ce cria cedilha.

vamos fazer amor?

vamos fazer amor 
até que o dia finde
a noite passe 
e amanheça 
em novo dia

fazer amor 
com as ruas
pelas paredes
na casa

amor em silêncio
na bagunça da conversa
sozinhos

vamos fazer amor 
pois não há 
mais nada
a não ser amar

vamos nos amar 
em trabalho 
com cinema
na mesa
da sala

nos amar 
com vontade
sem volta
nem quase

vamos fazer amor 
de papel
dinheiro 
contrato

fazer amor 
enquanto não somos
nem fomos

vamos amar a chuva quando chove e o sol ilumina

vamos amar a colheita
as flores no campo o trigo

amar aquele e aquela
e a nós mesmos

nossa imagem
semelhança 
diferença

vamos amar o caminho mais do que a chegada
o início mais do que o meio

amar sempre e mais
e o que há depois de tanto amar? 

amar amar amar

Leve o tempo

leve o tempo que me leva
como leve é o tema 
da música 
                    que me leva


só ruído 
de rua 
ruindo silêncio
           quebra


desvio 
       o olhar da tela 
outra tela se desvela
livro bolsa favela 
numa vã matéria


de quando éramos quatro
de como somos dois
da solidão de sermos só


e nada me conforta 
além das mãos 
deletar salvar copiar


são tantos os atalhos
                que nos levam


(falta pontuação 
coerência gramática


olhos de erros
errante de linhas
feliz construção)


quando esquecer 
do outro 
           que te és


romperá os muros 
que te prendem


ao cotidiano de si mesmo

Madrigal Melancólico, Manuel Bandeira

O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.

A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.

O que eu adoro em ti,
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
— Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.

O que eu adoro em ti,
Não é a tua graça musical,
Sucessiva e renovada a cada momento,
Graça aérea como o teu próprio pensamento,
Graça que perturba e que satisfaz.

O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdi.
Não é a irmã que já perdi.
E meu pai.

O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que eu adoro em ti — lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Antologia de um amigo

Lendo Manuel Bandeira no meu livro rabiscado, encontrei esse poema, tantas vezes lido e sublinhado. Nunca pensei que pudesse entender tão bem o que está escrito, pois nele consegui entender também como deve estar se sentindo um amigo querido. No poema, Bandeira reúne trechos de vários poemas seus para recriar sua antologia.

Antologia

A vida
Não vale a pena e a dor de ser vivida.
Os corpos se entendem mas as almas não.
A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Vou-me embora p'ra Pasárgada!
Aqui eu não sou feliz,
Quero esquecer tudo:
- A dor de ser homem...
Este anseio infinito e vão
De possuir o que me possui.

Quero descansar
Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei...
Na vida inteira que podia ter sido e não foi.

Quero descansar.
Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.

(Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir.)

Quando a Indesejada das gentes chegar
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

Poema escrito em setembro de 1965.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Zeca


O Zeca me levou tomar o vento forte que vem antes da chuva. Quem, além dele, poderia ter feito isso?

Me deixa...

...morar no seu azul?

O que se voa


Tenho tido vontades de pássaros.

Eu queria ser como o Zeca, Lucas De Nardi


Eu queria ser como o Zeca, e logo lhe explicarei o por quê.

Não sei se há algo cientificamente comprovado para o fato que será relatado, mas isso tampouco importa: toda vez que entramos numa sala decorada por um vaso de flores de jasmim, rapidamente ele preenche nosso olfato e nossos olhos e todo o aposento é perfumado por uma fragrância que causa prazer e alegria. Porém, se por dois ou mais dias aquelas flores permanecem ali, e mesmo que seu perfume continue pairando no ar, nossa visão terá se acostumado com tão bela imagem e o olfato já terá assimilado o estimado bálsamo a ponto de não mais senti-lo como da primeira vez.

O hábito nos leva a desvalorizar as coisas ao nosso redor, ou pior, a torná-las comuns. Vejo muita gente por aí vivendo o dia-a-dia como se isto fosse algo comum. A vida é o que de mais raro temos e, o que é mais interessante ainda, está disponível o tempo todo. Mesmo assim, às vezes, corremos para o lado oposto, distraindo-nos com bobagens, acostumando-nos com o milagre de viver.

O Zeca? Não! Ele é um grande sábio, pois toda vez que sua dona sai de casa, por poucos minutos, alegra-se ao revê-la entrando pela porta, como se estivesse vendo-a pela primeira vez no dia. Ele nunca se cansa de estar feliz com o que valorizou um dia. O Zeca sempre pula e festeja demonstrando seu afeto, por menor que tenha sido o espaço de tempo, por maior que tenha sido a convivência. Ele não se acostuma, ele não torna a vida trivial.

Todos os dias o Zeca passeia pelos mesmos jardins e jamais o vi reclamando para mudar o caminho, por mais burro que isso possa parecer. Ele nunca deixa que seus passos sejam os mesmos, pois sempre se alegra ao ver aquela grama verdinha à sua frente. Talvez por saber que a paisagem nunca se repete, nem mesmo a de horas atrás, ele a valoriza como se fosse única (e realmente é).

O Zeca também não se conforma com o que acha absurdo. Conto-lhe o que se passa: algumas vezes, enquanto o pequeno cachorro alimenta-se, finjo que minha mão irá retirar um pouco de sua comida (e faço isso há uns 5 anos), mas toda vez que intento, ele rosna, vocifera, fica indignado e, se precisar, ataca-me. Ele reclama pelo que é seu, por mais insistente que eu seja. Ainda que eu nunca tenha retirado a comida dele nesse tempo todo, ele fará o que for necessário para que eu não me aproxime.
Assim deveríamos ser com o que é de nosso apreço, jamais acreditando ser comum que nos roubem. E até se houvesse somente ameaças, ainda assim deveríamos ser enérgicos ao mostrar nossas intenções. Nunca vi o Zeca esperando sua dona tomar alguma providência sobre o furto da sua comida: ele vai à luta, por menor que seja seu porte, por maior que seja o inimigo. Ele não mede esforços para proteger o que é seu.

Zeca tem muita personalidade no que faz. Esse cãozinho, após uma década de vida, ainda se diverte com seus grãos de ração e seus brinquedos. Desde seus primeiros meses de vida, aprendeu a se divertir dessa forma e nunca, enquanto cresceu, julgou ou envergonhou-se de manter em sua vida pequenos resquícios da infância. Diverte-se da mesma maneira há anos e, em nenhum momento, um julgamento externo ou olhar atravessado o intimidou a viver do jeito que escolheu.

Acredito que ter humildade ao ver como as coisas que nos cercam e, muitas vezes, julgamos inferiores, podem nos ensinar a viver melhor e aproveitar mais a magia que é abrir os olhos e vislumbrar o mundo que temos à nossa frente. Pois nada é mais valioso do que estar ciente de que vivemos e então aproveitar isso plenamente.

Afinal, qual a dificuldade em olhar todos os dias para a pessoa que você ama e amá-la? Por que nos acostumamos com a beleza que nos cerca a ponto de não mais percebê-la? Qual a vergonha que existe em lutar por aquilo que lhe é de direito? Ou por suas vontades mais intrínsecas? Não é natural que guardemos em nós resquícios imaculados da infância, sem julgamentos ou análises? E por que foram ceifados de nosso cotidiano?

Por todas essas coisas que ele me ensina e pelo seu olhar que fala mais que muita gente, eu queria ser como o Zeca.

Para que serve o Yôga?

Muitas vezes, nós, instrutores, somos questionados a respeito da funcionalidade do Yôga. Mas, afinal, porque o Yôga deveria servir para alguma coisa? No entanto, na sociedade em que vivemos, é natural valorizarmos as coisas pela utilidade que possuem. Paciência...não podemos mudar o mundo. No texto abaixo você tem a resposta para essa pergunta que continuará a ser pronunciada ainda muitas vezes!

Para que serve o Yôga?

O Yôga não visa a resolver as mazelas do trivial diário 

e sim a grande equação cósmica da evolução.

DeRose

Quando se fala sobre Yôga, surge logo a pergunta: “para que serve o Yôga, quais são os benefícios que proporciona?” Pense bem: por que o Yôga precisa proporcionar algum benefício?

Nestes últimos 50 anos, não houve um entrevistador de televisão que tenha deixado de fazer essa indefectível pergunta, ao iniciar seu diá­logo com um instrutor de Yôga. Raras são as pessoas que, ao ser ins­tadas por um amigo a praticar Yôga, não perguntem a mesma coisa, como se estivessem a declarar: “Está bem, posso até praticar Yôga, mas o que eu ganho com isso?”

Se essa pessoa fosse convidada a praticar Tênis, Karatê, Natação ou Dança, perguntaria para que serve cada uma dessas modalidades, ou que benefícios receberia em troca, se concedesse a graça da sua presença?

Não é convincente a justificativa de que é preciso fazer tal pergunta por ninguém conhecer bem o Yôga. Isso pode servir para os segmen­tos semi-analfabetos das populações pobres, mas não para as classes medianamente instruídas. O Yôga está expressivamente difundido há mais de um século no Ocidente. É difícil encontrar um clube que não tenha aulas de Yôga. Rara é a revista ou jornal que não publique pelo menos uma reportagem por ano sobre o tema. Portanto, trata-se de uma postura viciosa, saída não se sabe de onde, essa que induz a po­pulação a fazer automaticamente aquela pergunta nada lisonjeira.
Por qual motivo o Yôga precisa proporcionar algum benefício? Golfe, Tênis, Aeróbica, Rugby, Skate, Surf, Ginástica Olímpica e muitas ou­tras atividades físicas são proverbialmente prejudiciais à coluna, arti­culações, ligamentos, mas, apesar disso, legiões dedicam-se a elas, mesmo sabendo que trazem mais malefícios do que benefícios. Al­guém perguntaria: “Para que serve a Ginástica Olímpica? Que bene­fícios me proporcionaria? Sim, porque preciso saber antes de decidir praticá-la. Como é que eu entraria sem saber para que serve?”. Para que serve aprender pintura, escultura, teclado ou canto? Alguém em sã consciência cometeria tal questionamento?
Faça Yôga antes que você precise

Faça Yôga por prazer como faria alguma daquelas modalidades espor­tivas ou artísticas. Consideramos um procedimento mais nobre ir ao Yôga sem finalidade de benefícios pessoais, mas sim impelido pelo mesmo motivo que induz o artista a pintar o seu quadro: uma mani­festação espontânea do que está em seu íntimo e precisa ser expres­sado. Faça Yôga se você gostar, se tiver vocação, se ele já estiver fer­vilhando em suas veias. Não porque precise.

Não é justificável buscar o Yôga nem mesmo por motivação espiritua­lista, pois não deixa de ser uma forma de egotismo dissimulado, já que visa a uma vantagem espiritual.
Se o praticante busca exclusivamente as conseqüências secundárias, que são a terapia, a estética, o relaxamento, limitar-se-á às migalhas que caem da mesa – e o instrutor não conseguirá ensinar-lhe realmente Yôga, tal como o professor de Ballet não conseguiria ensinar dança a um aluno que almejasse apenas perder peso.

Texto extraído do livro Tratado de Yôga Antigo, DeRose

Sol


Quero ver o sol nascer na praia.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Manuel Bandeira

Bem, essa história é recente. Para mim, Manuel Bandeira sempre foi o poeta que precisava ser lido para passar no vestibular. Sabia os versos mais conhecidos e mais nada. No ano passado, fiz um curso de poesia com o poeta Armindo Trevisan. Foi ele que ao longo de quatro prazerosas aulas, me fez ver quem é o maior poeta brasileiro. Foi uma grande emoção ler seus poemas, sentir sua poesia. Logo comprei seus livros e passei a lê-lo todas as noites, deitada na cama com as pernas para cima. Dormia com ele. Foi uma grande paixão, uma gostosa descoberta. No entanto, precisava apresentar o Bandeira para o meu namorado, afinal, ele precisava saber com quem eu andava dormindo. Para minha surpresa, ele também se apaixonou pelo Bandeira. Agora éramos dois, deitados na cama, lendo seus poemas um para o outro. Noites lindas aquelas. O Poemeto Erótico era o mais lido, e logo decorado. Quando o releio, sozinha na cama, são os versos do Bandeira na voz do meu amado.

Teu corpo claro e perfeito,
- Teu corpo de maravilha
Quero possuí-lo no leito
Estreito da redondilha...

Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa... flor de laranjeira...
Teu corpo branco e macio
É como um véu de noivado...

Teu corpo é pomo doirado...
Rosal queimado do estio,
Desfalecido em perfume...
Teu corpo é a brasa do lume...

Teu corpo é chama e flameja
Como à tarde os horizontes...
É puro como nas fontes
A água clara que serpeja,
Que em cantigas se derrama...
Volúpia de água e da chama...

A todo momento o vejo...
Teu corpo... a única ilha
No oceano do meu desejo...

Teu corpo é tudo o que brilha,
Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa, flor de laranjeira...

Vinícius de Moraes

Vinícius surgiu na minha vida quando mais precisei dele, na adolescência. Quando buscava compreender um pouco sobre o amor, a saudade, a despedida. O primeiro livro que li do Vinícius foi emprestado. As folhas eram grossas, ásperas, não combinavam com a sua poesia. Alguns versos foram sublinhados por uma caneta azul bic pela dona do livro (se é que livro tem dono) e apontavam para mim o que parecia ser mais importante naqueles poemas. Depois me desprendi das linhas azuis e descobri eu mesma a beleza do poetinha. Namorei com Vinícius, fiz dele minha voz e meus ouvidos. Depois, passados muitos anos, ganhei de um outro namorado o livro que mais amo, pois foi um presente também cheio de amor. No meu livro Para uma menina com uma flor, a primeira página tem uma dedicatória, não do Vinícius, mas de outro poeta da minha vida. Mas essa é outra história...

Porque você é uma menina com uma flor e tem uma voz que não sai, eu lhe prometo amor eterno, salvo se você bater pino, o que, aliás, você não vai nunca porque você acorda tarde, tem um ar recuado e gosta de brigadeiro: quero dizer, o doce feito com leite condensado. 

E porque você é uma menina com uma flor e chorou na estação de Roma porque nossas malas seguiram sozinhas para Paris e você ficou morrendo de pena delas partindo assim no meio de todas aquelas malas estrangeiras. E porque você quando sonha que eu estou passando você para trás, transfere sua ddc para o meu cotidiano, e implica comigo o dia inteiro como se eu tivesse culpa de você ser assim tão subliminar. E porque quando você começou a gostar de mim procurava saber por todos os modos com que camisa esporte eu ia sair para fazer mimetismo de amor, se vestindo parecido. E porque você tem um rosto que está sempre num nicho, mesmo quando põe o cabelo para cima, como uma santa moderna, e anda lento, e fala em 33 rotações mas sem ficar chata. E porque você é uma menina
com uma flor, eu lhe predigo muitos anos de felicidade, pelo menos até eu ficar velho: mas só quando eu der aquela paradinha marota para olhar para trás, aí você pode se mandar, eu compreendo.

E porque você é uma menina com uma flor e tem um andar de pajem medieval; e porque você quando canta nem um mosquito ouve a sua voz, e você desafina lindo e logo conserta, e às vezes acorda no meio da noite e fica cantando feito uma maluca. E porque você tem um ursinho chamado Nounouse e fala mal de mim para ele, e ele escuta mas não concorda porque é muito meu chapa, e quando você se sente perdida e sozinha no mundo você se deita agarrada com ele e chora feito uma boba fazendo um bico deste tamanho. E porque você é uma menina que não pisca nunca e seus olhos foram feitos na primeira noite da Criação, e você é capaz de ficar me olhando horas. E porque você é uma menina que
tem medo de ver a Cara na Vidraça, e quando eu olho você muito tempo você vai ficando nervosa até eu dizer que estou brincando. E porque você é uma menina com uma flor e cativou meu coração e adora purê de batata, eu lhe peço que me sagre seu Constante e Fiel Cavalheiro.

E sendo você uma menina com uma flor, eu lhe peço também que nunca mais me deixe sozinho, como nesse último mês em Paris; fica tudo uma rua silenciosa e escura que não vai dar em lugar nenhum; os móveis ficam parados me olhando com pena; é um vazio tão grande que as outras mulheres nem ousam me amar porque dariam tudo para ter um poeta penando assim por elas, a mão no queixo, a
perna cruzada triste e aquele olhar que não vê. E porque você é a única menina com uma flor que eu conheço, eu escrevi uma canção tão bonita para você, “Minha namorada”, a fim de que, quando eu morrer, você, se por acaso não morrer também, fique deitadinha abraçada com Nounouse, cantando sem voz aquele pedaço em que eu digo que você tem de ser a estrela derradeira, minha amiga e companheira, no infinito de nós dois.
E já que você é uma menina com uma flor e eu estou vendo você subir agora — tão purinha entre as marias-sem-vergonha — a ladeira que traz ao nosso chalé, aqui nestas montanhas recortadas pela mão presciente de Guignard; e o meu coração, como quando você me disse que me amava, põe-se a bater cada vez mais depressa. E porque eu me levanto para recolher você no meu abraço, e o mato à nossa
volta se faz murmuroso e se enche de vaga-lumes enquanto a noite desce com seus segredos, suas mortes, seus espantos — eu sei, ah, eu sei que o meu amor por você é feito de todos os amores que eu já tive, e você é a filha dileta de todas as mulheres que eu amei; e que todas as mulheres que eu amei, como tristes estátuas ao longo da aleia de um jardim noturno, foram passando você de mão em mão, de
mão em mão até mim, cuspindo no seu rosto e enfeitando a sua fronte de grinaldas; foram passando você até mim entre cantos, súplicas e vociferações — porque você é linda, porque você é meiga e sobretudo porque você é uma menina com uma flor.

Sim, ambos os poetas me fizeram sentir uma menina com uma flor.

Manoel de Barros

 Manoel de Barros apareceu na minha vida quando já estava na faculdade. Tão bom conhecer novos poetas...Um dia, meu pai que anos antes tinha aberto para mim as portas do poeta português, Fernando Pessoa, me lançava do alto de sua estante um verso novo, totalmente brasileiro, que falava das coisas da nossa terra. Era um olhar para o chão, para as coisas pequenas. Foi paixão à primeira vista. Depois do Manoel, nunca mais fui a mesma. Passei a olhar diferente para a natureza, a ouvir a orquestra dos pássaros a ter vontade de ser água. Manoel de Barros me ensinou a fotografar o silêncio e o vento.

O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos.

Mário Quintana

Conheci pessoalmente Mário Quintana em 1986, em uma tarde de autógrafos do livro Baú de Espantos, na Feira do Livro. Já idoso, ao lado de sua irmã, sentado na mesa, aguardava pacientemente a fila andar até ele. Fomos, com o livro em mãos, ansiosas por um autógrafo. Chegando lá, ele perguntou a minha irmã qual era o seu nome. Sonoramente, ela disse Janaína e, ele, rapidamente, olhou para sua própria irmã e falou assim: não sei por que, mas essa moça não quer me dizer o nome dela... Mas é que ele já não ouvia muito bem e por isso tinha ao seu lado uma pessoa para lhe soprar no ouvido o nome que lhe diziam. Sempre foi um velhinho bem humorado, desses que dá vontade de passar o dia junto. Quintana, diferente do Fernando Pessoa, não foi apresentado para mim por ninguém. Parece que ele nasceu comigo. Sempre fez parte da família, da casa, dos objetos. Guardo um imenso carinho por ele, como se fosse mesmo o meu avô poeta. Ah, esse Quintana.

Dorme ruazinha…  É tudo escuro…
E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?
Dorme teu sono sossegado e puro,
Com teus lampiões, com teus jardins tranqüilos…

Dorme…  Não há ladrões, eu te asseguro…
Nem guardas para acaso perseguí-los…
Na noite alta, como sobre um muro,
As estrelinhas cantam como grilos…

O vento está dormindo na calçada,
O vento enovelou-se como um cão…
Dorme, ruazinha…  Não há nada…

Só os meus passos…  Mas tão leves são,
Que até parecem, pela madrugada,
Os da minha futura assombração…