segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Dó duplo, Ana Thompson Flores

Sinto dó das pessoas que dizem que adorariam fazer tal coisa mas estão sem tempo. Na verdade, sinto dó duas vezes. Um dó duplo. Sabe por que? Em primeiro lugar porque tempo para mim é sinônimo de vida. Assim, quando alguém me diz que está com o tempo escasso logo entendo que está com a vida escassa. Vida escassa! Pense bem, vida escassa. Isso parece ser bem triste.

Explicado o primeiro dó, vamos ao segundo. Com frequencia percebo que quando alguém diz que está sem tempo, na verdade, está mentindo. Mentira dupla, porque além de mentir para os outros, está mentindo para si mesmo, o que é muito pior e digno de pena. Na maioria das vezes há tempo sim, é só uma questão de prioridade. Escolher é algo tão nobre. Não ter tempo é algo tão pobre. Não entendo como é possível confundir tanto escolher com não ter tempo. São duas coisas de natureza bem distintas.

Tenho um aluno que não vem à aula há meses porque tá sem tempo. Toda a semana ele me liga para dizer que tá na correria, sem tempo para respirar, mas que ama as aulas, que sente muita falta e que semana que vem vai aparecer. Ele nunca aparece, claro - porque está sem tempo. Ontem soube que ele está fazendo aula de dança, duas vezes por semana. Áh, cada aula tem duas horas de duração, isto é, são quatro horas dançando durante a semana. Nada mal para quem estava sem tempo nem para respirar. Ele está dedicando o tempo que tem, ou a vida que tem, para dançar e isso é admirável. Só fico aqui me perguntando se não seria mais fácil ele dizer escolhi fazer aula de dança. Mas não, ele prefere ficar nessa coisa triste de estou sem nada de tempo. E eu do outro lado entendendo que a criatura está sem nada de vida.

E o que pensar daqueles que não têm tempo para encontrar com seus amigos? Que não conseguem retornar as ligações ou responder e-mails porque não tiveram tempo? Coitados. Coitados mesmo. Dó duplo pra eles. Se ao menos assumissem que escolheram fazer outra coisa, tudo bem. Repito, escolher é algo tão nobre. Não vamos tomar um café porque a minha prioridade é fazer tal curso. Sem problemas. Não vamos nos encontrar hoje porque priorizo o meu trabalho. Ótimo, seu trabalho lhe dá dinheiro e prazer e isso é muito bom. Não vamos nos ver porque escolhi fazer outra coisa. Ok! Escolher é demais. Parabéns pela sua escolha. Só não me faça sentir pena de você com essa cafonice de estou sem tempo...

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