quarta-feira, 18 de julho de 2018

Casei com um comunista, Philip Roth



O importante não é ficar com raiva, mas ficar com raiva das coisas certas. Eu disse a ela, olhe a questão de uma perspectiva darwinista. A raiva serve para tornar a gente eficaz. Essa é a sua função na sobrevivência. É por isso que a raiva nos foi dada. Se ela nos torna ineficazes, livre-se da raiva, feito uma batata quente.



Porque em geral as pessoas não deixam. Todo mundo está insatisfeito mas, em geral, não ir embora é o que as pessoas fazem. Sobretudo pessoas que um dia foram abandonadas por alguém, como você e seu irmão. Quem passa o que vocês dois passaram valoriza muito a estabilidade. Com certeza, exagera o seu valor. A coisa mais difícil do mundo é cortar o nó da nossa vida e ir embora. As pessoas fazem mil ajustes para se conciliar até com o comportamento mais patológico do mundo. 



- A política é o grande generalizador - disse-me Leo - e a literatura é o grande particularizador, e as duas não estão simplesmente numa relação inversa. Estão numa relação antagônica. Para a política, a literatura é decadente, débil, irrelevante, chata, equivocada, obtusa, uma coisa que não tem sentido e que na verdade não devia existir. Por quê? Porque o impulso particularizador é literatura. Como você pode ser um artista e renunciar à nuance? Mas também como é que você pode ser um político e permitir a nuance? Como artista, a nuance é a sua missão. Sua missão não é simplificar. Mesmo que você resolva escrever da maneira mais simples, à la Hemingway, a missão continua sendo a de garantir a nuance, elucidar a complicação, sugerir a contradição. E não a apagar a contradição, não negar a contradição, mas sim ver onde, no interior da contradição, se encontra o ser humano atormentado. Levar em conta o caos, garantir que ele se manifeste. Você precisa garantir que ele se manifeste. De outro modo você só faz propaganda, se não de um movimento político, de um partido político, então propaganda cretina da vida em si mesma, da vida como ela gostaria de ser divulgada. Durante os primeiros cinco, seis anos da revolução russa, os revolucionários gritavam "amor livre, o amor será livre!". Mas, quando se viram no poder, não puderam permitir nada disso. Porque o que é o amor livre? O caos. E eles não queriam o caos. Não foi por isso que fizeram a revolução gloriosa. Queriam algo cuidadosamente disciplinado, organizado, contido, cientificamente previsível, se possível. O amor livre perturba a organização, perturba a máquina social, política e cultural deles. A arte também perturba a organização. Não por ser espalhafatosamente a favor ou contra, ou mesmo sutilmente a favor ou contra. Ela perturba a organização porque ela não é generalizada. A natureza intrínseca do particular é ser particular, e a natureza intrínseca da particularidade é não se conformar. Generalizar o sofrimento: isto é o comunismo. Particularizar o sofrimento: isto é a literatura. Nesta polaridade reside o antagonismo. Manter o particular vivo num mundo simplificado e generalizante - é nesse terreno que se trava a batalha. Você não precisa escrever para legitimar o capitalismo. Você está fora de ambos. Se você é escritor, você é tão alheio a um quanto a outro. Sim, você vê diferenças e, é claro, você vê que esta merda é um pouco melhor do que a outra merda, ou que a outra merda é um pouco melhor do que esta merda. Talvez até muito melhor. Mas você vê que é tudo uma merda.Você não é um funcionário do governo. Não é um militante. Não é um crente.Você é alguém que trata o mundo e o que acontece no mundo de uma maneira muito diferente. O militante apresenta uma fé, uma grande crença que vai mudar o mundo, e o artista apresenta um produto que não tem lugar nesse mundo. É inútil. O artista, o escritor sério, traz ao mundo algo que desde o início nem mesmo estava lá. Quando Deus criou todo esse troço em sete dias, os pássaros, os rios, os seres humanos, não teve nem dez minutos para a literatura. "E então se faça a literatura. Alguns gostarão, outros ficarão obcecados por ela, desejarão fazê-la..."Não. Não. Ela não disse nada disso. Se você tivesse perguntado a Deus: "E vão existir bombeiros hidráulicos?". "Sim, existirão. Porque eles terão casas e precisarão de bombeiros." "E vão existir médicos?" "Sim. Porque eles ficarão doentes e vão precisar de médicos para lhes dar pílulas". "E a literatura? Do que você está falando? Para que isso serve? Onde é que ela se encaixa? Por favor, estou criando um universo, não uma universidade. Nada de literatura."

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