quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Opinião sobre a pornografia, Wislawa Szymborska

Não há devassidão maior que o pensamento.
Essa diabrura prolifera como erva daninha
num canteiro demarcado para margaridas.

Para aqueles que pensam, nada é sagrado.
O topete de chamar as coisas pelos nomes,
a dissolução da análise, a impudicícia da síntese,
a perseguição selvagem e debochada dos fatos nus,
o tatear indecente de temas delicados,
a desova das ideias --- é disso que eles gostam.

À luz do dia ou na escuridão da noite
se juntam aos pares, triângulos e círculos.
Pouco importa ali o sexo e a idade dos parceiros.
Seus olhos brilham, as faces queimam.
Um amigo desvirtua o outro.
Filhas depravadas degeneram o pai.
O irmão leva a irmã mais nova para o mau caminho.

Preferem o sabor de outros frutos
da árvore proibida do conhecimento
do que os traseiros rosados das revistas ilustradas,
toda essa pornografia na verdade simplória.
Os livros que os divertem não tem figuras.
A única verdade são certas frases
marcadas com a unha ou com o lápis.

É chocante em que posições,
com que escandalosa simplicidade
um intelecto emprenha o outro!
Tais posições nem o Kamasutra conhece.

Durante esses encontros só o chá ferve.
As pessoas sentam nas cadeiras, movem os lábios.
Cada qual coloca sua própria perna uma sobre a outra.
Dessa maneira um pé toca o chão,
o outro balança livremente no ar.
Só de vez em quando alguém se levanta,
se aproxima da janela
e pela fresta da cortina 
espia a rua.





terça-feira, 4 de agosto de 2015

simplesmente




se não tivesse conhecido a Lua
no lastro da Terra
tudo seria diferente
nem pior nem melhor

simplesmente
d i f e r e n t e

e assim é 
para todas as coisas 
da vida




segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Amsterdam, Ian McEwan




"Vez por outra, olhava por cima do ombro. Conhecia bem essa sensação porque costumava fazer longas caminhadas sozinho. Havia sempre uma relutância a ser superada. Era um ato de vontade, uma luta contra o instinto, se afastar das pessoas, do abrigo, do calor e da ajuda. Um senso de escala dado pela perspectiva cotidiana dos aposentos e das ruas era de repente afrontado pelo vazio colossal. A massa de rochas que se erguia acima do vale era uma longa carranca esculpida em pedra. O silvo e o ribombar do córrego pertenciam à linguagem das ameaças. Sua disposição de espírito em franco declínio e todas as suas inclinações básicas lhe diziam que era uma tolice desnecessária seguir em frente, que ele estava cometendo um erro."

"Sabemos tão pouco sobre os outros. Permanecemos em geral submersos, como icebergs, com nossas identidades sociais visíveis projetando apenas o que temos de branco e frio."

"Depois que o trem ganhou velocidade e se afastou mais e mais de Londres, ocasionalmente o campo surgia e, com ele, vestígios de beleza, ou a memória dela, até que segundos depois o encanto se dissolvia quando um rio virava uma canal com margens de concreto ou se via uma imensa plantação de sebes e sem árvores. E haja estradas, novas estradas se insinuando sem cessar, sem pejo, como se a única coisa importante fosse ir de um lugar para outro. No que concernia ao bem-estar de qualquer outra forma de vida na Terra, o projeto humano não era apenas um fracasso, mas um erro desde o começo."

O Homem que Amava os cachorros, Leonardo Padura



"... a dor e a miséria figuram entre aquelas poucas coisas que, quando repartidas, tornam-se sempre maiores."

"Até a mais grosseira das mentiras, dita repetidamente sem que ninguém a refute, acaba por se transformar em verdade."

"A experiência ensinara-o que não é necessário empurrar as más notícias, porque o peso sempre faz com que caiam."