sexta-feira, 30 de abril de 2010

O Luar, Mário Quintana


                     O luar,
                     é a luz do Sol que está sonhando.

Sampa

 foi assim que avistei Sampa na minha chegada: preta e branca. eram milhares de tons de cinza, matizes de branco, camadas de preto. aos poucos, meus olhos foram se acostumando às sombras, aos contrastes dramáticos da cidade. de repente, milhares de pontos vermelhos, num vai e vem incessante, passaram a colorir a cena. como se minutos antes não estivessem ali. era o sangue vivo percorrendo as veias do grande centro. era meu corpo dentro de outro, maior e mais complexo. era Sampa me colorindo aos poucos.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

O Fantasma sai de cena, de Philip Roth

Esse livro foi indicado pelo Charles Kiefer, escritor em todas as horas e meu professor nas quintas-feiras pela manhã de Oficina Literária, como sendo o melhor livro que ele leu no ano de 2008.
Depois dessa observação, no último dia de aula, antes de pegar as malas e passar dez dias na praia, agarrei O Fantasma Sai de Cena e só o larguei, meio a contragosto, quando as páginas todas já haviam sido devoradas. Foi o primeiro livro que li do Roth e a sensação é de ter lido uma obra-prima.
A genialidade de Roth aparece na narrativa em vários aspectos. Quando ele investiga a velhice e sua solidão, escarafunchando nossos medos e angústias, trava contato com um tema clássico que sobreviverá aos limites do tempo. É genial ao criar um pêndulo entre o sexo e a morte, ora num impulso pela vida, ora na iminência da morte. Por fim, ao inserir diálogos teatrais, traz à tona uma narrativa imaginativa que revela o escritor que há no narrador.
Através do momento histórico que se passa a narrativa, nas vésperas da segunda eleição de Bush, também se percebe uma crítica à política bélica de Bush e o estado de alienação da sociedade norte-americana. O que entra em consonância com a minha opinião sobre o assunto.
Por fim, o título do livro é a peça-chave para o entendimento da obra. Afinal, quem sai de cena?

Sobre o autor:

Philip Roth nasceu em 1933, em Newark, Nova Jersey, e hoje vive em Connecticut, nos Estados Unidos. Recebeu, em 1998, a Medalha Nacional das Artes na Casa Branca e, em 2002, conquistou a mais elevada premiação concedida pela Academia Americana de Artes e Letras, a Medalha de Ouro de Ficção. Em 2005, Roth tornou-se também o terceiro escritor vivo a ter sua obra publicada numa edição abrangente e definitiva da Library of America. Ganhou duas vezes o Prêmio Nacional do Livro e o Prêmio do Círculo Nacional de Críticos Literários. Em 2007, ganhou o Prêmio PEN/Faulkner pela terceira vez e o primeiro PEN/Saul Bellow.

Curiosidades:

Nathan Zuckerman, personagem de nove livros de Roth é o narrador de Fantasma sai de cena. Os críticos de Philip Roth afirmam que Nathan é o alter-ego do autor e, através da leitura que se faz do livro, teme-se que Nathan realmente saia de cena para sempre.

Marca-livro:

A gente vai embora enquanto os outros – o que não é de estranhar – continuam onde estavam, fazendo o que sempre fizeram; e, quando voltamos, ficamos surpresos e por alguns momentos emocionados de ver que eles continuam lá, e também tranqüilizados pela idéia de que existe alguém passando a vida inteira no mesmo lugarzinho, sem nenhuma vontade de sair dali.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Mafalda


Clique duas vezes em cima da imagem para ampliá-la.

verdade s.f.

conformidade com o real; exatidão, realidade. 2. franqueza, sinceridade. 3. coisa verdadeira ou certa.

a minha tese é de que a palavra verdade, na sua essência, é formada pelo radical ver derivado do verbo ver. mas não adianta pesquisar no google porque o google ainda não tem a minha cabeça. também não encontrei comprovação nos livros. até porque a minha tese não é acadêmica: é um achar vendo. apenas vi que ver está dentro da verdade.

Ela era

Ela era toda ruído
no silêncio da gente
Ela era toda palma
Era só lamento
nas manhãs

Tinha os olhos nas mãos
e na boca cheia
todos os seus
e todos os meus

Mas quando se foi
foi-se junto toda gente
e fomos ficando
tão sós, tão sem, tão nada

Como conhecer alguém


Pelas roupas no varal e pelas cortinas nas janelas. 
E por outras coisas que as pessoas deixam penduradas pela vida.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Indo dormir com a Mafalda e de cabeça para baixo

Do outro lado de lá

 a tela de um computador pode me manter acordada por horas a fio, mas nada me desperta mais do que a vida. essa realidade que compartilhamos com as pessoas, respirando o mesmo ar, habitando o mesmo espaço, interagindo, interferindo, tocando a existência do outro, é tão mais estimulante... naquele segundo de silêncio, entre uma palavra dita e a espera em ser ouvida, milhares de bites se cruzam no ar. e é nesse meio de transporte tão antigo que se revelam as ideias, as dúvidas, as certezas e logo em seguida, as incertezas, os desejos, a voz... ah, a voz! essa ferramenta que falha muito mais do que esse teclado que uso agora, mas que é certeira quando quer dizer algo que não está sendo dito. a voz com que nos trajamos pra dizer sim, pra dizer talvez, pra dizer qualquer coisa, tenta ser reproduzida na escrita, mas jamais será superada. suspiro em saber que nada poderá substituir a vida, essa que acontece agora do outro lado do computador.

domingo, 25 de abril de 2010

Sem Sangue, de Alessandro Baricco


As frases são como pequenas cordas, curtas e tensionadas. Dessa forma, a leitura rápida e cortante nos leva as conseqüências de uma guerra, onde os protagonistas são confrontados o tempo inteiro com a dor e o passado.

Sobre o autor:

Alessandro Baricco nasceu em 1958, em Turim. Pianista de formação, graduou-se em filosofia, foi crítico de música em jornais e televisão. Estreou em literatura com Castelos de raiva (1991). Seguiram-se cinco romances, entre eles Seda, traduzido para mais de vinte idiomas e Esta história. Seu monólogo teatral Novecentos foi levado ao cinema por Giuseppe Tornatore. É um dos principais autores contemporâneos da Itália e o mais conhecido. Recebeu, na França, o prêmio Médicis Étranger e, na Itália, o Selezione Campiello Viareggio e o Palazzo al Bosco.

Curiosidades:

Nota do autor, no início do livro: “Os fatos e personagens a que esta história alude são imaginários e não se referem a nenhuma realidade particular. A escolha de nomes hispânicos deve-se a razões puramente musicais e não pretende sugerir uma inserção temporal ou geográfica dos acontecimentos.”

Marca-livro:

A menina virou a cabeça e olhou para ele. Tinha olhos escuros, com um formato estranho. Olhava para ele sem expressão alguma. Seus olhos estavam entreabertos e ela respirava tranqüila. Era um animal em sua toca. Tito sentiu voltar a sensação mil vezes experimentada quando encontrava aquela posição exata, em meio à tepidez dos lençóis ou sol um sol da tarde, em criança. Os joelhos dobrados, as mãos entre as pernas, os pés em equilíbrio. A cabeça inclinada ligeiramente para frente, fechando o círculo. Deus, como era bonito, pensou. A pele da menina era branca, e o contorno dos seus lábios, perfeito. As pernas saíam de uma sainha vermelha, como num desenho. Era tudo assim arrumado. Era assim completo.

A elegância do ouriço, de Muriel Barbery

Este livro, indicado pelo meu pai como sendo uma ficção cheia de filosofia, possui duas narradoras que se alternam: uma garota de doze anos, moradora de um condomínio de luxo em Paris e a zeladora do prédio. Ambas estão desconectadas do seu meio, fingindo ser o que não são e vivendo um conflito social enquanto discorrem sobre a beleza das coisas, a arte e o comportamento humano. A narrativa de Paloma, a menina rica, é uma constante busca por encontrar algo pelo qual valha a pena continuar vivendo. Renée, a zeladora, precisa manter o esteriótipo da sua classe social para não se sobressair no meio em que vive. No entanto, ela adora a arte que há em Tolstoi, nas pinturas de Vermeer e nas cenas de Blade Runner.
Confesso que a leitura não me prendeu completamente, principalmente nas muitas páginas de filosofia que perdem verossimilhança pela voz das narradoras. O bom mesmo é a chegada de um novo morador no prédio, o Sr. Ozu, que transforma a vida delas e nos faz pensar se realmente encontramos outras pessoas pela vida ou apenas nos encontramos nelas.

Sobre a autora:

Muriel Barbery nasceu em Bayeux, em 1969. Ex-aluna da École Normale Supérieure, em Paris, atualmente leciona filosofia na Normandia, onde mora. Estreou na literatura com o romance Une Gourmandise (2000), traduzido em doze línguas. Seu segundo livro, A elegância do ouriço, foi uma das grandes sensações literárias de 2006 da França. Para se conhecer um pouco mais da autora, é possível vê-la numa entrevista em francês, no YouTube, ou visitar seu blog (ilustrado com belíssimas fotos de autoria de seu marido): http://muriel.barbery.net/.

Curiosidades:

Bem ali, pertinho de Saint-Sulpice, no coração do Quartier Latin chic, começa uma rua que já abrigou algumas das mais belas residências parisienses. Estes antigos palácios estão hoje transformados em apartamentos, divididos e subdivididos. Alguns se transformaram em charmosos estúdios, alugados a peso de ouro; outros não se repartiram tanto e são hoje apartamentos de grande luxo, com muito mais que os 30 metros quadrados de praxe, abrigando famílias de alto poder aquisitivo. É bem ali na encruzilhada das Ruas Sèvres com Cherche-Midi, e Rue du Four, ou seja, no Carrefour de la Croix Rouge, por onde se entra na Rue do Dragon e se vira à esquerda na rua onde se aloja este ouriço que, vizinho das boutiques de YSL e de Miu-Miu, só podia ser apresentado como elegante. (Texto de Lúcia Bettencourt)

Marca-livro:

Aí vai o pensamento profundo do dia: é a primeira vez que encontro alguém que procura as pessoas e que vê além. Isso pode parecer trivial, mas acho, mesmo assim, que é profundo. Nunca vemos além de nossas certezas e, mais grave ainda, renunciamos ao encontro, apenas encontramos a nós mesmos sem nos conhecer nesses espelhos permanentes. Se nos déssemos conta, se tomássemos consciência do fato de que sempre olhamos apenas para nós mesmos no outro, que estamos sozinhos no deserto, enlouqueceríamos.

T.S. Eliot


não o intenso momento isolado
mas toda uma vida ardendo a cada instante

Fernando Pessoa


Nestas impressões sem nexo, nem desejo de nexo, narro indiferentemente a minha autobiografia sem fatos, a minha história sem vida. São as minhas Confissões, e, se nelas nada digo, é que nada tenho a dizer.

Fernando Pessoa

passo tempos, passo silêncios, mundos sem forma passam por mim.

Fernando Pessoa


Durmo e desdurmo.

Fernando Pessoa


ouço cair o tempo, gota a gota, e nenhuma gota que cai se ouve cair.

O. Henry

parte de um conto do escritor americano O. Henry:
“(…) Em maio a Natureza nos brande um dedo admoestador para advertir-nos de que não somos deuses, mas membros enfatuados de sua grande família. Recorda-nos que somos irmãos do burro e do clã dos mariscos condenados ao chowder; que somos descendentes em linha reta do amor-perfeito e do chimpanzé, e apenas primos-irmãos das rôlas arrulhantes, dos patos grasnadores, das empregadas domésticas e dos policiais dos parques.(…)”

Fernando Pessoa

o tédio pior não é aquele dos que nada tem a fazer. o maior dos tédios é não poder fazer nada, mesmo havendo o que ser feito. pois quando nada temos a fazer e o tédio nos amortece, ora, podemos ao menos gozar o nada. mas, e quando não há mais nada a se fazer? e quando temos o dia cheio e o tédio nos invade porta adentro?

W. Benjamin

Desfruta-se o que é convencional, sem criticá-lo; critica-se o que é novo sem desfrutá-lo.

Saramago


Seremos de fato seres amputados?

Mário Quintana


a verdade é uma mentira que se esqueceu de acontecer.