domingo, 1 de outubro de 2017

De repente, nas profundezas do bosque, Amós Oz




'Um olho de peixe redondo e arregalado ao máximo mirou os dois por um instante como se sugerisse a Maia e Mati que todos nós, todos os seres vivos sobre este planeta, pessoas e animais, aves, répteis, larvas e peixes, na realidade todos nós estamos bem próximos uns dos outros, apesar de todas as muitas diferenças entre nós: pois quase todos nós temos olhos para ver formas, movimentos e cores, e quase todos nós ouvimos vozes e ecos, ou pelo menos sentimos a passagem da luz e da escuridão através da nossa pele. E todos nós captamos e classificamos, sem parar, cheiros, gostos e sensações.'

'Isso e mais: todos nós sem exceção nos assustamos às vezes e até mesmo ficamos apavorados, e às vezes todos ficamos cansados, ou com fome, e cada um de nós gosta de certas coisas e detesta outras, que nos inspiram temor ou aversão. Além disso, todos nós sem exceção somos sensíveis ao extremo. E todos nós, pessoas répteis insetos e peixes, todos nós dormimos e acordamos e de novo dormimos e acordamos, todos nós nos empenhamos muito para que fique tudo bem para nós, não muito quente nem frio, todos nós sem exceção tentamos a maior parte do tempo nos preservar e nos guardar de tudo que corta, morde e fura. Pois cada um de nós pode ser amassado com facilidade. E todos nós, pássaro e minhoca, gato menino e lobo, todos nós nos esforçamos a maior parte do tempo em tomar o máximo cuidado possível contra a dor e o perigo, e apesar disso nós nos arriscamos muito sempre que saímos para correr atrás de comida, atrás de uma brincadeira e também atrás de aventuras emocionantes'

'E assim, disse Maia depois de refletir sobre esse pensamento, e assim no fundo é possível dizer que todos nós sem exceção estamos no mesmo barco: não apenas todas as crianças, não apenas toda a aldeia, não apenas todas as pessoas, mas todos os seres vivos. Todos nós. E ainda não sei dizer se as plantas são um pouco nossos parentes distantes.'

'Logo, quem debocha dos outros passageiros na realidade é um bobo que está no mesmo barco. E não existe aqui nenhum outro barco.'

'Será que o deboche é uma forma de defesa para quem lança mão dele, pois o protege do perigo da solidão? Pois quem zomba não zomba em grupo, e aquele que desperta a zombaria não fica sempre sozinho?'

Venenos de Deus, remédios do Diabo - Mia Couto



'Rir junto é melhor que falar a mesma língua. Ou talvez o riso seja uma língua anterior que fomos perdendo à medida que o mundo foi deixando de ser nosso.'

'Saímos para o estrangeiro quando a nossa terra já saiu de nós.'

'"Já foi bonita", pensa ele, "agora pesam-lhe os flancos como a essas mulheres que surgem de traseiro mesmo que se apresentem de frente."

'As pessoas não tem cores. Ou tem cores que não tem nome.'

'Viver é um verbo sem passado.'

'Uma coisa aprendi na vida. Quem tem medo da infelicidade nunca chega a ser feliz.'

'Depois de tantos anos, deixamos de viver na casa e passamos a ser a casa onde vivemos.'


Sempre a mesma neve, sempre o mesmo tio, Herta Muller




'Cultura é um reservatório porque ela se une ao que vem em seguida.'

'Somos dependentes desses nervos, eles são os fios que nos tornam flexíveis.'

'Podemos mandar o corpo que temos à luta pela manhã. Podemos dispor dele enquanto ele está atado corretamente. Depois disso, ele é que dispõe de nós.'

'Não dá para conversar com a morte. Mas é preciso fazê-lo, com a perda.'

'Talvez a pátria não seja um lugar para os pés nem para a cabeça.'

'A literatura fala com cada um individualmente - ela é propriedade privada que permanece na cabeça. Nada mais fala de maneira tão incisiva conosco que um livro. E não espera nada em troca, exceto que pensemos e sintamos.'

'Acho que os objetos não conhecem seu material, os gestos não conhecem seus sentimentos e as palavras não conhecem a boca que fala. Mas, para nos certificarmos de nossa própria existência, precisamos dos objetos, dos gestos e das palavras.'