segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Amsterdam, Ian McEwan




"Vez por outra, olhava por cima do ombro. Conhecia bem essa sensação porque costumava fazer longas caminhadas sozinho. Havia sempre uma relutância a ser superada. Era um ato de vontade, uma luta contra o instinto, se afastar das pessoas, do abrigo, do calor e da ajuda. Um senso de escala dado pela perspectiva cotidiana dos aposentos e das ruas era de repente afrontado pelo vazio colossal. A massa de rochas que se erguia acima do vale era uma longa carranca esculpida em pedra. O silvo e o ribombar do córrego pertenciam à linguagem das ameaças. Sua disposição de espírito em franco declínio e todas as suas inclinações básicas lhe diziam que era uma tolice desnecessária seguir em frente, que ele estava cometendo um erro."

"Sabemos tão pouco sobre os outros. Permanecemos em geral submersos, como icebergs, com nossas identidades sociais visíveis projetando apenas o que temos de branco e frio."

"Depois que o trem ganhou velocidade e se afastou mais e mais de Londres, ocasionalmente o campo surgia e, com ele, vestígios de beleza, ou a memória dela, até que segundos depois o encanto se dissolvia quando um rio virava uma canal com margens de concreto ou se via uma imensa plantação de sebes e sem árvores. E haja estradas, novas estradas se insinuando sem cessar, sem pejo, como se a única coisa importante fosse ir de um lugar para outro. No que concernia ao bem-estar de qualquer outra forma de vida na Terra, o projeto humano não era apenas um fracasso, mas um erro desde o começo."

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