Uma das minhas tentativas mais persistentes e mais difíceis é a de ensinar aos meus alunos de nível avançado, àqueles que permanecem comigo por lustros e décadas (tenho alunos que frequentam as minhas oficinas há mais de 15 anos), que os símbolos e as alegorias são o sangue e o plasma da significação. Quem lê somente os signos linguísticos não lê nada. E, às vezes, deslê.
Um bom espaço para se treinar esse olhar decodificador, olhar capaz de ler à contraluz, é a mídia impressa.
Tomemos um caso, a saber, no Jornal O Sul, edição de 25 de junho de 2011.
À página 8 do Caderno Reportagem, vemos uma foto linda, em que Tony Blair sorri para o filho Leo, que está em seu colo. O texto conta uma história estranha.
Na festa de aniversário de 11 anos, o menino teria cobrado 11,3 euros de cada coleguinha pela participação na festa.
Um menino multimilionário, que recebe os colegas e amigos na mansão da família, cujo pai cobra fortunas por consultorias, precisa cobrar 11,3 euros? E por que esse preciosismo? Por que não 10 euros, para facilitar o troco? Ou 12?
Jornalistas ingênuos, e leitores comuns, de poucas luzes, como os chamo, que não conhecem a linguagem simbólica dos muitos esoterismos, atêm-se à curiosidade do episódio, ao insólito da festa, e perdem o essencial, enrodilhado não no plot, mas na equação numérica da cobrança. Papai Blair, que é membro de conhecida sociedade secreta, declara, através do filho, o seu grau de importância: 11 x 3 = 33. Grau 33, se alguém ainda tinha dúvidas. E como toda ação esotérica precisa ser dupla, Blair manda um recado aos seus pares, através da "insólita" festinha do rebento: 11 e 3.
Página 11, parágrafo 3? 11 horas e 30 minutos? Latitude 11 e longitude 3? Artigo 11 e inciso 3?
Quem sabe, sabe. Quem tem a chave, decifra. Não foi sempre assim, decifra-me ou te devoro? Quem não sabe é boi de piranha, massa de manobra, inocente últi.
Se o persongaem e o enredo são a matéria de uma história, o símbolo e a alegoria são a sua energia. Sempre é bom lembrar que energia é matéria acelerada à velocidade da luz ao quadrado. Quem não compreende essa simples equação da teoria da relatividade, cai no truísmo de imaginar que não existam temas significativos.
Uma história só será significativa se funcionar como funcionam as mensagens esotéricas: para os tolos e ingênuos, 11,3 euros são só o preço do ingresso na festinha. No outro nível, lá onde a verdadeira significação se constitui, 11,3 euros são uma sofisticada, simbólica e irônica mensagem.
O bom escritor, como o bom esotérico, escreve para os dois grupos de leitores.
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